Qual de nós nunca teve dúvidas a respeito de como escrever determinada palavra?
Sempre lembramos das mais usuais e freqüentes da língua, porém, muitas vezes, grafar palavras como “exceção”, “carroceria”, ou “aterrizagem” pode nos forçar a pensar sobre as normas da Língua Portuguesa, visto que não lembramos de imediato como escrevê-las. Para a criança, que tem menos tempo de contato com a língua escrita, menor repertório lingüístico e vocabulário, essa tarefa é mais árdua ainda, pois implica em perceber fundamentalmente que na Língua Portuguesa não há, muitas vezes, uma relação unívoca entre a letra e o som. Ou seja, uma letra pode representar diferentes sons, e um som pode ser representado por diferentes letras. Como por exemplo:
-som /z/ pode ser escrito por diferentes letras, como “x” (exemplo), “s” (casa), “z” (zebra);
-letra X pode representar diferentes sons (som sss, som zzz, som ch, som cs).
O que é a ortografia e como vem sendo abordada pelas escolas?
A ortografia diz respeito à escrita correta das palavras. Nos anos 70, acreditávamos que os problemas de leitura e escrita, incluindo as dificuldades ortográficas, eram decorrentes de alterações de funções psiconeurológicas que incluem, basicamente, os aspectos perceptuais auditivos, visuais e motores.
Felizmente, no início da década de 80, com o advento da teoria piagetiana e com as descobertas de Ferreiro e Teberosky (1979), abriu-se um leque com novas perspectivas para compreender o processo de alfabetização. Estes estudos mostraram-nos, em síntese, que a escrita não é uma transcrição fonética da fala, mas que pode ser vista como uma representação simbólica da mesma. Além disso, que as crianças são aprendizes ativos, portanto, constroem o seu conhecimento, incluindo aqui, o conhecimento a respeito da norma ortográfica. Porém, construir o conhecimento não significa que ortografia não deva ser ensinada.
Atualmente, observamos um panorama confuso na educação oscilando entre uma supervalorização dos exercícios com cópia de palavras, listas para memorização e aplicação de ditados (que não ensinam, mas sim verificam a ortografia), estratégias utilizadas em demasia na escola tradicional ou, em outro extremo, a falta de sistematização com a ortografia, ou mesmo o abandono desse trabalho. Há ainda uma situação pior: a escola não sabe como ensinar (e se deve ensinar), mas cobra a escrita ortográfica de seus alunos.
Escrever corretamente significa que a criança não pode errar?
Partindo do princípio de que a escrita é uma representação simbólica e que as crianças constroem seu conhecimento, o erro passa a ser visto como construtivo, ou seja, necessário para que a aprendizagem ocorra. Os erros são vistos como “etapas de apropriação”, podendo, inclusive, a “produção escrita da criança ser um indício do quanto ela conseguiu se apropriar do sistema ortográfico” (Zorzi, 1998, p.20).
Quando começar a ensinar a ortografia?
O professor pode começar a pensar no ensino sistemático da ortografia desde que seus alunos já tenham alcançado a hipótese alfabética e comecem a fazer questionamentos: “Por que chave se escreve com ch e xícara é com x?”, “Como se escreve passado?”, “Eu imaginava que exemplo se escrevia com Z, mas não é? Por quê?”. Esses e outros infinitos questionamentos demonstram que a criança já compreendeu, ao menos em parte, a complexidade da língua.
Como avaliar as falhas ortográficas?
Os instrumentos e estratégias utilizados para avaliar os erros ortográficos podem incluir a análise do material escolar da criança, a elaboração de produções de texto, bem como alguns ditados, como ditado de pequenos textos, ditado específico para trocas sonoras/surdas (p/b, t/d, f/v, c/g, ch/j) além de um Ditado Balanceado (Moojen, 1985).
A partir desses materiais o ideal é o professor organizar as falhas ortográficas dos seus alunos classificando tais erros, visto que o trabalho a ser desenvolvido e as técnicas utilizadas irão depender do tipo de erros e freqüência com que são cometidos, em geral, partindo daqueles que são mais primitivos, até alcançar os mais complexos.
Obs: para ver categorias de classificação dos erros e sugestão de atividades ver bibliografia ao final.
Até quando podemos considerar que os erros fazem parte do processo normal de aprendizagem da escrita?
Mesmo que a escola com o auxílio da família desenvolva o trabalho com a ortografia de forma sistemática não podemos deixar de considerar que seus resultados podem ser bastante heterogêneos. Alguns indivíduos podem realmente ter um dom, ou uma habilidade lingüística melhor desenvolvidos, enquanto outros necessitarão de muito esforço para escrever corretamente, mas, nos dois casos, escrever corretamente dependerá do ensino na escola.
Para verificar como está se dando a apropriação do sistema ortográfico é necessário seguir um folow up do aluno, assim, a quantidade de tipos de erros que a criança apresenta, bem como a freqüência dos mesmos deve ir diminuindo à medida em que a escolaridade evolui. Caso isso não esteja ocorrendo, o professor pode estar diante de um caso que, juntamente com outros elementos, justificariam o encaminhamento de tal criança a uma avaliação especializada com fonoaudiólogo e/ou psicopedagogo para a realização de diagnóstico mais aprofundado, como por exemplo, de um Transtorno de Leitura e Escrita.